A Dieta Cetogênica na Epilepsia

A dieta cetogênica (DC) é um tratamento não farmacológico que visa controlar e/ou reduzir as crises epilépticas de pacientes com epilepsia refratária. Esta refratariedade é representada por 30% dos casos da doença e se dá após o uso de pelo menos dois fármacos antiepilépticos adequados para o tipo de crise apresentada pelo paciente, em doses efetivas, em mono ou politerapia.

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 A DC clássica é frequentemente indicada na infância e adolescência, dando-se preferência à Dieta de Atkins Modificada ou à Dieta de Baixo Índice Glicêmico na fase adulta ou ainda à DC a base de TCM (Triglicérides de Cadeia Média). A DC é o tratamento de escolha nos casos de Deficiência do transportador de glicose GLUT-1 e para algumas encefalopatias epilépticas.

 O controle total de crises é atingido em cerca de 15% dos indivíduos em dieta cetogênica. Além disso, cerca de 50% das pessoas apresentam redução de aproximadamente 50% das crises em seis meses de tratamento. Após alguns meses de tratamento, se o paciente apresentar boa resposta, é possível iniciar a redução das medicações antiepilépticas.  Nota-se, além do controle das crises, uma melhora cognitiva nos pacientes em dieta.

 A DC é baseada no metabolismo lípidico e na geração de corpos cetônicos. Portanto, a distribuição dos macronutrientes nesta, consiste em uma dieta hiperlipídica, hipoglicêmica e normoproteica calculadas adequadamente por uma nutricionista especializada na DC.

 Hoje, contamos com centros em treinamento em algumas regiões do Brasil. Na maioria desses, o início da DC se dá ambulatorialmente. Também a existe a possibilidade de ser iniciada durante internação hospitalar.

Inicialmente o paciente passa por uma consulta médica em que é colhida a anamnese com descrição e classificação detalhada das crises. Havendo indicação para a DC implanta-se o protocolo de exames pré-DC. O médico também orienta que o paciente mantenha um diário, onde devem ser registrados todos os tipos de crises que apresenta, além da frequência mensal de cada tipo.

Após a liberação médica, o paciente é encaminhado para consulta com nutricionista, responsável pela anamnese nutricional, recordatório alimentar e dados antropométricos, além de orientação quanto a pré-DC. É nesta consulta que a nutricionista entende as preferências alimentares de cada paciente, tentando adequá-las às restrições da dieta. Com a ciência dos alimentos preferidos pelo indivíduo, a nutricionista calcula o primeiro cardápio conforme as necessidades energéticas diárias do paciente.

Geralmente, a DC clássica é iniciada na proporção 2:1 (duas partes de gordura para uma parte de carboidrato + proteína) e evoluída até a proporção 4:1 conforme adaptação e tolerância do paciente. Essa proporção compreende aproximadamente 90% de lipídios, 8% de proteínas e 2% de carboidratos. Os principais objetivos são proporcionar o desenvolvimento e crescimento adequados da criança, assim como atingir a quantidade diária necessária de proteínas, conciliando a fração de gordura que a dieta exige com a complementação dos carboidratos.

A DC, como o próprio nome revela, almeja que o paciente permaneça em estado de cetose. Em vigência de cetose mantida (aproximadamente 150 mg/dL), há uma fase de adaptação do metabolismo cerebral estimada em 3 semanas. Após esse período, os neurônios passam a utilizar os corpos cetônicos em detrimento da glicose, como principal fonte energética.

A adesão e a efetividade metabólica da DC são avaliadas de forma qualitativa e não invasiva através da medição dos corpos cetônicos na urina por meio de fitas específicas que são essenciais para o manejo adequado da dieta.  O efeito terapêutico é dado através de diversos mecanismos, dentre eles a elevação do limiar convulsivo.

Após o paciente atingir a cetose, a DC é mantida por um período de 3 a 4 meses para a avaliação inicial da redução do número de crises epilépticas. Caso a dieta se mostre efetiva, é mantida por cerca de 2 a 3 anos.  Em casos específicos, como na deficiência de GLUT-1, a DC é mantida indefinidamente.

 As complicações a curto e longo prazo são, na maioria das vezes, revertidas rapidamente com tratamento específico para cada caso. Dentre as de curto prazo, destacam-se: sonolência, hipoglicemia, vômitos, diarréia, obstipação, letargia e recusa alimentar. As complicações a longo prazo incluem: cálculo renal, infecções recorrentes, alterações metabólicas incluindo hiperuricemia, hipocalcemia, acidose, dislipidemia, irritabilidade e recusa alimentar. Há relatos de que a deficiência de selênio possam causar cardiopatias, havendo importância na suplementação de vitaminas e sais minerais durante o tratamento com a DC.

São realizados exames metabólicos de controle a cada 3 meses, dentre eles: perfil lipídico, ácido úrico, hemograma completo, dosagem de cálcio, sódio, cloro, selênio, potássio, glicemia, gasometria venosa e eletroforese de proteínas. De acordo com o protocolo de cada serviço, também são realizados controles de eletroencefalograma e avaliação neuropsicológica.

É imprescindível que essa opção terapêutica seja oferecida aos pacientes com epilepsia refratária.

 

Fontes:
  • Dra. Paula Girotto – Neuropediatra e Marcela Gregório – Nutricionista, Pós graduandas da disciplina de Neurologia e Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp – Orientadora Dra. Laura Guilhoto – Unidade de Pesquisa e tratamento das epilepsias (UNIPETE).
  • Kossoff, Eric H., et al. “Optimal clinical management of children receiving the ketogenic diet: recommendations of the International Ketogenic Diet Study Group.” Epilepsia 50.2 (2009): 304-317.

Por: Dra. Paula Girotto

Neurologista Infantil SP - Compartilhe!