Exames Genéticos na Epilepsia Infantil. Receber o diagnóstico de epilepsia da criança é um divisor de águas na vida de muitas famílias. A busca por respostas – “Por que meu filho tem crises?”, “Qual é o melhor tratamento?” – torna-se prioridade.
Nos últimos anos, a genética tem emergido como uma ferramenta poderosa, capaz de fornecer essas respostas e, muitas vezes, direcionar o caminho para um Tratamento mais eficaz e Personalizado, inaugurando uma era de Medicina de precisão para a Epilepsia.

Para pais e cuidadores, entender o papel dos Exames Genéticos na Epilepsia Infantil é fundamental. Longe de ser apenas uma curiosidade científica, a identificação de uma causa genética pode mudar a jornada do paciente, otimizando o manejo clínico e oferecendo um prognóstico mais claro e, em muitos casos, acesso a terapias direcionadas.

Exames Genéticos na Epilepsia Infantil para Diagnóstico e Tratamento Personalizado

Por que a Genética Importa na Epilepsia Infantil?

A epilepsia em crianças é um universo complexo. O cérebro em desenvolvimento é único e as causas das crises podem ser variadas: desde malformações estruturais até problemas metabólicos ou, os cada vez mais reconhecidos, fatores genéticos. Estima-se que até 50% das epilepsias que se manifestam na infância, especialmente aquelas de início precoce ou com características sindrômicas, tenham uma base genética subjacente.

Uma parcela significativa das epilepsias que se manifestam na infância, especialmente aquelas que começam muito cedo (período neonatal ou primeiros anos de vida), que são difíceis de controlar com medicamentos (epilepsias refratárias ou encefalopatias epilépticas e de desenvolvimento), ou que vêm acompanhadas de atraso no desenvolvimento, deficiência intelectual, autismo ou outras características neurológicas, têm uma base genética.

Em alguns casos, a identificação do gene envolvido pode:

  • Encurtar a “Odisseia Diagnóstica”: a jornada diagnóstica para crianças com epilepsia pode ser longa e exaustiva, envolvendo múltiplos especialistas, exames invasivos e tentativas de tratamento que nem sempre funcionam. A identificação precoce da causa genética pode evitar anos de incerteza, exames desnecessários e tratamentos ineficazes, reduzindo o estresse e o impacto na qualidade de vida da família;
  • Oferecer um Prognóstico Mais Preciso: conhecer o gene ou a alteração cromossômica específica pode ajudar a prever o curso da doença, a probabilidade de remissão das crises, o risco de comorbidades (como deficiência intelectual ou autismo) e as expectativas de desenvolvimento a longo prazo, que é crucial para o planejamento familiar e a implementação de intervenções precoces;
  • Guiar a Escolha do Tratamento: este é um dos impactos mais transformadores, porque a genética permite a “Medicina de precisão”, direcionando para medicamentos mais eficazes e, em alguns casos, evitando aqueles que podem ser ineficazes ou até piorar a condição. Por exemplo, mutações em certos genes tendem a indicar a necessidade de uma dieta específica ou contraindicação de fármacos comuns;
  • Fornecer Aconselhamento Familiar: informar sobre o risco de recorrência para futuros filhos ou outros membros da família, o que é vital para o planejamento reprodutivo e a identificação de familiares assintomáticos ou com formas mais leves da doença.

Encontrando a Peça que Faltava: como Funcionam os Exames Genéticos?

Pense no genoma humano como um vasto e complexo livro de instruções, escrito em um código de DNA. Os exames genéticos são como lupas ou softwares de leitura avançados que buscam “erros de digitação” (mutações pontuais), “páginas faltando” (deleções) ou “páginas duplicadas” (duplicações) nesse livro, que podem ser a causa da epilepsia.

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Existem diferentes tipos de exame, cada um com sua especificidade e profundidade de análise:

  • Array-CGH (Microarranjos Cromossômicos): é como um “scanner” de alta resolução para grandes pedaços do DNA, que procura variações no número de cópias (CNVs – Copy Number Variations), ou seja, porções de DNA que foram deletadas ou duplicadas. Com uma resolução muito superior ao cariótipo tradicional, o Array-CGH é um excelente exame de primeira linha para crianças com epilepsia e atraso do desenvolvimento, pois pode identificar alterações submicroscópicas que afetam múltiplos genes e estão associadas às síndromes neurodesenvolvimentais;
  • Painéis de Genes para Epilepsia: são exames mais direcionados, uma vez que em vez de escanear todo o livro, leem detalhadamente apenas os capítulos (genes) que já se sabe estarem relacionados à epilepsia. Esses painéis podem incluir de dezenas a centenas de genes conhecidos por causar epilepsias sindrômicas (como Síndrome de Dravet, Síndrome de West, Síndrome de Ohtahara, CDKL5 Deficiency Disorder, KCNQ2 – related epilepsy, entre outras) ou não sindrômicas. Isso os torna mais rápidos e focados do que o sequenciamento completo, sendo ideais quando a apresentação clínica sugere um grupo específico de genes.
  • Sequenciamento de Exoma Completo (WES – Whole Exome Sequencing): vai um passo além dos painéis, porque lê todas as partes do “livro” que contêm instruções para a produção de proteínas (exons). Essas regiões, embora representem apenas cerca de 1% – 2% do nosso DNA, contêm aproximadamente 85% das mutações causadoras de doenças conhecidas. O WES é frequentemente usado quando os painéis de genes são negativos, mas a suspeita de uma causa genética é alta. Quando realizado em trio (criança e ambos os pais), aumenta significativamente a chance de encontrar mutações de novo (que surgem pela primeira vez na criança e não são herdadas dos pais), que são causas comuns de epilepsias graves na infância;
  • Sequenciamento de Genoma Completo (WGS – Whole Genome Sequencing): este é o exame mais abrangente disponível atualmente. Ele lê o “livro inteiro”, incluindo tanto as partes codificadoras (exons) quanto as não codificadoras (íntrons e regiões intergênicas). Embora as regiões não codificadoras fossem antes consideradas “DNA lixo”, hoje, sabemos que muitas delas contêm elementos regulatórios cruciais para a expressão gênica. O WGS pode identificar tipos de variantes que WES e painéis não detectam, como variantes em regiões regulatórias profundas ou rearranjos estruturais complexos. É a opção de último recurso, utilizada quando os exames anteriores não encontraram uma causa, mas ainda há uma forte suspeita genética, embora seja mais caro e complexo de interpretar.

O processo de um exame genético, geralmente, envolve a coleta de uma amostra de sangue, saliva ou tecido, seguida por extração do DNA, sequenciamento em plataformas de alta tecnologia, análise bioinformática para identificar variantes e, finalmente, a interpretação clínica por uma equipe especializada.

Quando o Exame Genético é Recomendado?

A decisão de realizar um exame genético é sempre do neurologista pediátrico em conjunto com a família, mas algumas situações o tornam particularmente relevante e recomendável, tais como:

  • Epilepsias de Início Muito Precoce: crises que começam no período neonatal, na primeira infância ou que são muito graves desde o início (encefalopatias epilépticas e de desenvolvimento);
  • Epilepsias Refratárias: quando as crises são difíceis de controlar com dois ou mais medicamentos anticonvulsivantes adequadamente escolhidos e em doses otimizadas;
  • Presença de Outras Características Neurológicas ou Sistêmicas: atraso no desenvolvimento, deficiência intelectual, Transtorno do Espectro Autista, malformações cerebrais ou de outros órgãos, dismorfismos faciais, ou outras anomalias congênitas;
  • Suspeita de uma Síndrome Epiléptica Específica: baseada nos tipos de crise, achados do eletroencefalograma (EEG), ressonância magnética cerebral e outras características clínicas;
  • Resposta Atípica aos Medicamentos: quando a criança reage de forma inesperada a um anticonvulsivante, seja com piora das crises ou efeitos colaterais incomuns, o que pode indicar uma base genética que altera o metabolismo ou a resposta ao fármaco (farmacogenômica);
  • Histórico Familiar de Epilepsia: embora muitas mutações sejam de novo (não herdadas), um histórico familiar de epilepsia ou outras condições neurológicas pode aumentar a suspeita genética e necessidade de investigação.

Impacto de um Diagnóstico Genético: mais do que um Nome

A identificação de uma causa genética pode ter um impacto transformador em múltiplos aspectos da vida do paciente e de sua família:

  • Medicina de Precisão (Terapias Direcionadas): este é o grande diferencial. Imagine saber que determinado medicamento é ineficaz ou até prejudicial para seu filho por causa de uma mutação específica? Ou que outro medicamento, antes não considerado, pode ser altamente eficaz? A genética permite isso;
    • Exemplo 1: Síndrome de Dravet (mutação no gene *SCN1A*): crianças com mutações no *SCN1A* (codifica um canal de sódio) devem evitar medicamentos que bloqueiam canais de sódio, como carbamazepina, oxcarbazepina e lamotrigine, pois podem agravar as crises. Em vez disso, terapias como stiripentol, clobazam, valproato, fenfluramine e canabidiol são mais indicadas;
    • Exemplo 2: Deficiência de GLUT1 (mutação no gene *SLC2A1*): esta condição impede o transporte adequado de glicose para o cérebro. O tratamento padrão é a dieta cetogênica, que fornece corpos cetônicos como fonte alternativa de energia para o cérebro, resultando em controle significativo das crises e melhora do desenvolvimento;
    • Exemplo 3: Epilepsias Relacionadas às Mutações em *KCNQ2* ou *KCNQ3*: estes genes codificam canais de potássio. Algumas formas podem ser autolimitadas, mas as mais graves tendem a responder aos moduladores de canais de potássio, como retigabina (embora seu uso seja limitado por efeitos colaterais).
  • Prognóstico e Planejamento: entender a causa pode ajudar a prever o curso da doença, o risco de comorbidades e a probabilidade de remissão das crises. Isso é crucial para o planejamento familiar, a organização de intervenções terapêuticas (Fisioterapia, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia) e preparação para o futuro, incluindo decisões educacionais e de suporte;
  • Acesso a Pesquisas e Terapias Inovadoras: um diagnóstico genético específico pode qualificar a criança para participar de ensaios clínicos de novas terapias direcionadas à sua condição genética, como terapias gênicas, baseadas em oligonucleotídeos antisense (ASOs) ou small molecules, que visam corrigir o defeito molecular subjacente. Isso oferece esperança para tratamentos inovadores que podem mudar a trajetória da doença;
  • Conexão e Suporte: conhecer a causa genética pode conectar famílias com outras que enfrentam a mesma condição, formando redes de apoio valiosas, grupos de defesa de pacientes, facilitando o acesso a informações e recursos especializados. Essa comunidade pode oferecer suporte emocional e prático inestimável.

Considerações Importantes: um Caminho Compartilhado

É importante lembrar que um exame genético, por mais avançado que seja, é apenas uma parte do quebra-cabeça.

  • Nem todos os exames genéticos encontram uma causa: então, apesar dos avanços tecnológicos, a taxa de sucesso diagnóstico varia (geralmente, entre 30% – 50% em coortes de epilepsia infantil) e uma porcentagem das epilepsias ainda não tem sua causa genética desvendada pelas tecnologias atuais. Isso pode ocorrer porque a causa não é genética, envolve genes ainda não descobertos ou a variante está em uma região não analisada pelos métodos atuais;
  • Variantes de Significado Incerto (VUS – Variants of Uncertain Significance): às vezes, o exame identifica uma alteração no DNA sobre a qual ainda não se sabe se causa ou não a doença. Nesses casos, a interpretação exige cautela. A VUS não é um diagnóstico e requer investigação adicional, como análise de outros membros da família (segregação familiar) ou estudos funcionais em laboratório. Logo, o acompanhamento e a reavaliação periódica são essenciais, pois o conhecimento científico avança rapidamente;
  • Interpretação Especializada: os resultados de exames genéticos são complexos e devem ser interpretados por uma equipe multidisciplinar, incluindo geneticista clínico, neurologista pediátrico com experiência em Neurogenética e bioinformatas. O aconselhamento genético pré e pós-teste é fundamental para que a família compreenda as implicações do resultado, os riscos de recorrência, as opções de tratamento e os aspectos psicossociais;
  • Considerações Éticas: a realização de exames genéticos levanta questões éticas importantes, como a possibilidade de encontrar achados incidentais (condições não relacionadas à epilepsia), privacidade dos dados genéticos e implicações para outros membros da família.

Em suma, a Genética está redefinindo a compreensão e o Tratamento da Epilepsia Infantil. Ao buscar a causa subjacente, abrimos portas para a Medicina personalizada, oferecendo às crianças com epilepsia e suas famílias uma jornada mais informada, com mais esperança e melhores resultados. Se seu filho tem Epilepsia, converse com seu neurologista pediátrico sobre a possibilidade e relevância dos Exames Genéticos para o caso dele, buscando sempre um centro com experiência em neurogenética.

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